“Erro Médico – É mais comum do que você imagina”. Com esse título, a edição 391 da revista Superinteressante provocou notas públicas de repúdio de, pelo menos, cinco entidades médicas: Conselhos Federal de Medicina (CFM), Conselhos Regionais de Medicina dos Estados de São Paulo (Cremesp), Rio de Janeiro (Cremerj) e Bahia (Cremeb) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Em comum, as notas alertaram para o uso inadequado e repetido do termo “erro médico” para definir eventos adversos em geral, além da ausência de outros esclarecimentos necessários para que o leitor não fosse levado a culpar o profissional por falhas inerentes ao fluxo da assistência em suas já conhecidas limitações.
Em exemplo oposto, a revista Exame, que também faz parte dos títulos da Abril, publicou uma edição especial sobre saúde e envelhecimento da população. A fluidez dos textos e qualidade da apuração foram um alento aos que acompanham as notícias de saúde diariamente e se ressentem do tom alarmista usado, de modo geral, pela imprensa não especializada. O otimismo, entretanto, não passou incólume pelas sete primeiras páginas da matéria.
Ali no meio, camuflado como continuidade do texto principal, há um informe publicitário sobre O bom e o mau uso da informação “Erro Médico – É mais comum do que você imagina”. Com esse título, a edição 391 da revista Superinteressante provocou notas públicas de repúdio de, pelo menos, cinco entidades médicas: Conselhos Federal de Medicina (CFM), Conselhos Regionais de Medicina dos Estados de São Paulo (Cremesp), Rio de Janeiro (Cremerj) e Bahia (Cremeb) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Opinião 26 MP 2018 Gilmara Espino Administradora e especialista em Marketing de Saúde, com MBA e Mestrado em Gestão de Saúde. É sócia-diretora da GPeS Health Branding and Business. medicina de precisão que praticamente incita a judicialização da saúde. O informe é assinado por Abril Branded Content.
Não estou a julgar se a revista deveria ou não permitir a venda de tal conteúdo. Vivemos em uma economia de mercado, em um cenário altamente competitivo. Está dentro das regras. Não é ilegal. O que assusta (e, em certa medida, desanima) é a irresponsabilidade com que se alimenta de informação um público que tem fome por esse tema, sem o mínimo de comprometimento com o sistema de saúde como um todo, incluindo o seu financiamento.
Em algum momento todos nós seremos usuários dos serviços. Não há um único congresso na área em que não se fale em “sustentabilidade do sistema”, “empoderamento do paciente”, “mais transparência e mais confiança entre fontes pagadoras e prestadores”. Ocorre que, na mídia de massa – sim, aquela que chega à porta da sua casa e também à do paciente – parece não haver suficiente responsabilidade sobre o que se publica.
O Conselho Federal de Medicina, assim como outros Conselhos, é restritivo em relação ao tema, mas sua influência se restringe aos profissionais. Para o CFM, de acordo com o artigo 58 do Código de Ética Médica, é vedado ao médico o exercício mercantilista da medicina, o que significa não poder exercê-la como um objeto de venda (mercadoria), ofertando-a como um produto que visa o lucro. Essa recomendação vem do fato de que, mesmo em uma sociedade capitalista, há profissões e relações que não se encaixam no modelo econômico de economia de mercado, o que é o caso da medicina.
Há diferentes causas para isso. A principal é a assimetria de informação entre médico e paciente. Para o paciente, a necessidade dos serviços assistenciais representa dano à integridade, risco de morte. Tanto o resultado como o processo do tratamento não são previsíveis. Ainda assim, existe uma expectativa social de que o médico sempre fará escolhas para o bem-estar do paciente e nunca em seu próprio benefício como prestador.
O mesmo cuidado deveria ser tomado por indústrias e demais players da saúde. Todos devem cuidar para que o outro – em situação de menor conhecimento – não tome decisões e conclusões equivocadas.
Não teremos empoderamento do paciente, menos culpabilização do profissional de saúde e uso mais racional dos recursos até que todos os setores – incluindo os que alimentam a imprensa com releases e rios de dinheiro em publicidade – se responsabilizem verdadeiramente pela educação do cidadão.