A forma de se comunicar com os consumidores mudou. O monitoramento de redes sociais tem ganhado destaque no rol de prioridades de empresas de todos os segmentos, incluindo as de saúde. E, embora os negócios do setor tenham uma atuação mais discreta se comparada às marcas mais seguidas no Facebook e no Instagram, há muita inteligência envolvida no conteúdo dos posts e estratégia de participação nas redes.
A supervisão desses canais são, ao mesmo tempo, um desafio e uma oportunidade para clínicas, laboratórios e hospitais. É difícil imaginar uma pessoa que acesse o perfil de um hospital na internet em busca de informações e o escolha para uma consulta ou procedimento caso a avaliação geral seja negativa. Por outro lado, o acompanhamento ativo dessas ferramentas permite aos estabelecimentos de saúde conhecer falhas recorrentes em processos, atendimentos, entre outros.
Em todo o mundo, as experiências com essas ferramentas variam muito de acordo com o relacionamento de cada povo com a internet e com a maneira com que o sistema se organiza. Na Inglaterra, por exemplo, nação que tem uma das maiores estruturas de saúde pública do mundo, a Care Quality Commission (CQC), órgão regulador do setor, monitora postagens no Facebook e no Twitter, e tais comentários podem resultar, inclusive, em inspeções não programadas a clínicas e hospitais. Já no Brasil, não existe tal controle do governo, porém, os hospitais, principalmente os particulares, investem e reconhecem o peso estratégico das redes sociais. De fato, os números provam que é impossível ignorá-las. Somos hoje a terceira população do mundo a passar mais tempo online (9 horas por dia, em média) e, por aqui, 130 milhões de pessoas têm um perfil ativo nas redes sociais.
Termômetro
No segundo semestre de 2016, o Hospital Israelita Albert Einstein enfrentou uma crise interna que logo se tornou pública, quando médicos da instituição foram suspeitos de ligação comercial com uma empresa fornecedora de stents. Denúncias anônimas levaram o hospital a ter conhecimento do conflito de interesses e, segundo o presidente do Albert Einstein, Sidney Klajner, as redes sociais tiveram grande importância naquele momento por ajudarem a mensurar a dimensão do problema.
Apesar de o caso ter inserido o nome do hospital, um dos mais conceituados do país, em um contexto bastante negativo, Klajner garante que tais plataformas de engajamento são uma grande oportunidade para a instituição. “O relacionamento mais próximo é necessário. Se você como consumidor compra um produto e não consegue se relacionar com a marca, caso tenha algum problema, você muda de fornecedor”, sintetiza. “Quando falamos de uma organização hospitalar, dependemos que as pessoas confiem no nosso atendimento. A saúde do paciente é o item mais relevante até mesmo para a sustentabilidade do nosso negócio, e o monitoramento das redes sociais nos permite fazer melhorias”, explica.
Por meio do posicionamento do público nesses canais, o Albert Einstein entendeu a importância de estreitar ainda mais a relação com pacientes e familiares e criou uma central de atendimento digital. Com a plataforma que funciona no site do hospital, a instituição tira dúvidas do público e consegue ter uma espécie de “termômetro” das demandas. É possível também medir o impacto de projetos desenvolvidos pela instituição e receber sugestões para novas iniciativas.
Depois da central de atendimento digital, instituição investiu também em outras tecnologias, como o aplicativo “Meu Einstein”, em que os pacientes conseguem, por exemplo, checar resultados de exames e enviá-los a um ou mais médicos. Outra aposta foi uma parceria com o Spotify para a criação de playlists específicas, como a desenvolvida para a área de ressonância pediátrica. Nesse caso, a música serve para ajudar as crianças a se acalmarem e se manterem imóveis para a realização dos exames.
A gerente de Qualidade Corporativa da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e conselheira da Melhores Práticas, Maria Magalhães, destaca que as redes sociais são uma chance para os negócios do setor entenderem o perfil do seu público. “Já existem empresas que desenvolvem planos de saúde de acordo com os comportamentos de risco dos consumidores evidenciados nas redes sociais”, garante.
Maria explica que é possível que o nível de trabalho desenvolvido pela Care Quality Commission (CQC), órgão regulador do setor de saúde na Inglaterra, com o Facebook e com o Twitter talvez nunca seja replicado no Brasil, até mesmo por uma diferença estrutural. Isso porque, ao contrário do Brasil, que oferece também assistência privada, todo o sistema da Inglaterra é público, o que torna obrigatória a divulgação de dados de qualidade pelos hospitais. Dessa forma, o CQC combina feedbacks de pacientes postados no site do sistema de saúde inglês (National Health Service) com os comentários feitos nas redes sociais para definir uma pontuação para cada instituição e identificar as organizações que representam risco e devem ser inspecionadas.
E, apesar do alto grau de detalhamento do levantamento, a própria CQC reconhece que a sondagem tem falhas, como o fato de “o feedback via mídia social poder ser influenciado por assuntos atuais”. Além disso, a organização reconhece que embora a combinação de várias fontes de feedbacks torne as informações menos enviesadas, ainda há grupos de pacientes pouco ou nada representados.
Para o diretor de Qualidade e Sistemas de Gestão do Grupo Leforte, Alexandre Luiz Seo, as mídias sociais quando utilizadas de forma criteriosa podem ser de grande importância, sobretudo, devido à espontaneidade contida nos comentários. Porém, ele acredita que outras ferramentas de avaliação da percepção de qualidade, com metodologia mais clara, podem gerar uma quantidade superior de dados estratificados, o que permite uma avaliação mais avançada do serviço prestado.
“Caça-likes”
De fato, alguns dados mostram que as redes sociais quando analisadas isoladamente podem maquiar realidades. Um levantamento feito nos EUA com base no comportamento dos consumidores nas páginas de Facebook de cerca de 700 hospitais mostra que não adianta as instituições de saúde agirem como “caça-likes”. Um dos principais resultados do estudo intitulado “Hospital Evaluations by Social Media: A Comparative Analysis of Facebook Ratings among Performance Outliers” é que não houve, entre os estabelecimentos analisados, uma diferença significativa de qualidade considerando variáveis como número de curtidas, de check-ins e de tempo de existência da página na rede social.
Porém, o mesmo estudo concluiu que hospitais com taxas de readmissões mais baixas em um período de 30 dias tendem a ter avaliações mais altas no Facebook. Os autores do trabalho, McKinley Glover e Garry Choy publicaram em suas conclusões que “tais resultados reforçam o conceito de que medidas agregadas de satisfação do paciente em mídias sociais se correlacionam com medidas tradicionalmente aceitas de qualidade hospitalar”.
O presidente do Albert Einstein confirma que há muitas variáveis capazes de interferir no julgamento que os consumidores fazem do sistema e dos estabelecimentos do segmento nas redes sociais. “A saúde é sempre um assunto polêmico e é um setor cuja avaliação varia bastante em face da situação política e econômica do país”, explica. De acordo com Klajner, o fato de cerca de três milhões de pessoas terem perdido acesso aos planos de saúde nos últimos anos, inevitavelmente, impacta na avaliação do sistema como um todo. Ainda segundo ele, o Einstein tem trabalhado para mitigar o problema por meio de programas que facilitam o pagamento de procedimentos, por exemplo.
Além disso, o hospital usa sua página no Facebook para interagir com o público e esclarecer dúvidas sobre cuidados com a saúde, formas de proceder, entre outras. Segundo levantamento interno, em menos de um ano de existência do chat na rede social, foi possível aumentar de 30% para 55% o índice de first call resolution.
No Grupo Leforte, as áreas de mídias sociais, projetos e ouvidoria trabalham em conjunto para identificar oportunidades de melhoria por meio de comentários postados por pacientes e familiares na internet. “A partir de notificações de problemas no atendimento, podemos, por exemplo, realizar o redimensionamento de equipes, revisão de processos administrativos, treinamentos, entre outras ações”, enumera o diretor de Qualidade. “Com o conhecimento sobre as expectativas do cliente, podemos criar ainda um melhor posicionamento frente a esse mercado tão competitivo”, completa Seo.
Colaboradores
Mas, ao mesmo tempo em que as redes sociais têm muito a revelar de informações estratégicas para o setor de saúde, em determinadas situações elas ferem a reputação de instituições, mesmo as mais respeitadas. Não são raros os casos de colaboradores que postam fotos e comentários na internet capazes de denegrir a imagem dos hospitais. Há ainda aqueles que divulgam laudos de internados e colocam em xeque, além da credibilidade da instituição, o direito do paciente de manter as informações em sigilo.
Para minimizar o risco, o Albert Einstein, que emprega cerca de 14 mil pessoas, mantém políticas para utilização de computadores e monitoramento ativo com rastreamento de acessos. Além disso, os processos de segurança são intensificados ainda mais quando alguma personalidade é internada no hospital.
De acordo com a publicitária e especialista em planejamento de comunicação para o setor de saúde na GPeS Health Branding and Business, Cecília Botelho, as iniciativas dos hospitais direcionadas para os colaboradores ainda são tímidas quando o assunto são as redes sociais. E, essa dúvida sobre como lidar com o tema representa um risco. “A velha conhecida ‘rádio corredor’ agora é virtual, muito mais ágil, muito mais eficiente do ponto de vista de troca de informações, compartilhamento e colaboração profissional”, diz. “Mas, por outro lado, também é mais perigosa em relação ao vazamento de informações sigilosas sobre pacientes.”
Cecília destaca que tem sido comum a regulamentação e, consequentemente, a punição quando ocorrem vazamentos de dados de pacientes. Porém, para a especialista, punir não é suficiente e ainda há muito a ser feito no sentido de informar e educar. A GPeS já tem desenvolvido para alguns clientes um guia de boas práticas em redes sociais focado nos funcionários, mas, de acordo com Cecília, esse deve ser apenas o início do esforço das instituições de saúde. “O trabalho é bem mais complexo do que simplesmente estabelecer regras. Trata-se de uma necessária mudança de cultura e comportamento”, enfatiza.
Portanto,para que os hospitais alcancem os resultados desejados, é preciso treinar e desenvolver ações internas de sensibilização e conscientização. Para Cecília, a exemplo do que outros mercados têm feito, uma boa maneira de fazer isso é com a inclusão dos colaboradores nesse processo a partir da criação, por exemplo, de comitês nos quais os próprios funcionários discutem as políticas de uso das mídias sociais. “Se o trabalho for bem feito, os resultados podem ser surpreendentes. Afinal, colaboradores podem se transformar em grandes embaixadores da empresa”, conclui.